A experiência de jogar com um golfista cego
Joguei uma partida com um golfista cego. Foi uma das mais belas e inesquecíveis experiências no mais de meio século que levo nos campos de golfe.
Paulo Pimentel, o infatigável organizador de grandes e lindos torneios me fez o convite para jogar no impecável campo do Vila da Mata, em São Roque (SP) com um golfista cego. “Voce vai ter uma experiência de vida fantástica”, disse o veterano diretor da Golfe&Cia”.
Acertou em cheio.
Apresentei-me ao meu parceiro indicado. Luis Carlos Person, alto, de porte atlético, de uns 50 anos, educadíssimo. Fomos até o buraco de partida em dois carrinhos.
Ele com o seu caddie e eu no meu carrinho acompanhado pela curiosidade. Como seria jogar golfe, esse esporte tão difícil para todos, com uma pessoa que tem cegueira física completa há uma década.
Bati meu driver e a bola ficou no meio da raia. Respirei aliviado. A tacada inicial sempre é difícil. Luis Carlos, do braço do seu caddie subiu no tee chegou para bater.
O caddie colocou ao meu parceiro fazendo mira com o ombro esquerdo na metade do fairway. Luis Carlos fez um swing, tal vez algo acelerado por ser o primeiro, e a bola ficou perto do rough.
Pensei no seu esforço gigantesco para reaprender a propriedade motora precisa para bater a diminuta bola com a cabeça de taco a mais de 120 quilômetros em direção a um alvo a muitos metros de distancia num terreno com obstáculos de árvores, areia, água e ondulações por toda parte.
Fui a minha bola. Ele a dele. E o jogo fluiu com essa mesma rotina, normal e alegremente. No green o caddie ajudava com a mira e depois cantava as jardas e o aclive ou declive. Com o meu parceiro era o resto. E as boas tacadas foram aparecendo.
Após algumas tacadas eu tinha quase esquecido que o meu parceiro carecia de visão e era apenas um golfista de rotina extremamente cuidadosa.
Algumas tacadas pouco expressivas de ambos mereceram inteligentes autocríticas. Sempre autocríticas de alto astral nem que nosso ego ficasse merecidamente pisoteado na grama bem aparada. Autocrítica sempre ajudar a melhorar a nossa próxima tacada, sempre a mais importante.
Durante o jogo, Luis Carlos contou que o seu primeiro professor foi Juan Leyva do Lago Azul, quando após perder a visão decidiu jogar golfe.
Seguimos no percurso e meu parceiro repetiu elogios de outros jogadores para descrever a beleza do campo que não enxergava. Ele prezou o sol de outono que nos acariciava e que para mim tornava mais nítidos as verdejantes ondulações do percurso.
Senti angustia por meu companheiro. Eram vários matizes de azul do céu, nuvens e luzes se refletindo nos espelhos de água que o meu agora amigo golfista não podia ver. Durou pouco.
Ele estava visivelmente feliz a cada metro que percorríamos. A minha angustia passou a ser admiração pelo homem que competiu em tênis e esqui aquático e agora era mais um golfista. Apenas com maior apoio do caddie. O jogo seguiu.
Chegamos a um par três de 160 jardas. Eu deixei a bola no fundo do green com a bandeira na entrada. Luis Carlos repetiu a sua rotina pré-batida. O som da batida foi puro. Ele celebrou instantaneamente esse som. Sabia que a tacada tinha bom destino.
A bola branca desenhou um grande arco no azul e caiu na grama do green de intenso verde não muito longe da bandeira. O caddie e eu vibramos.
Já no green, o primeiro putt de três metros em declive. Luis Carlos deixou a bola a dois dedos do buraco. Antes de executar o putt para par, Luis Carlos tocou as bordas do buraco. Ele deixou que o caddie colocasse o putter bem perpendicular ao meio. Um leve toque e ... PLOK ... a bola caiu.
Eu demorei em congratular o parceiro de golfe tão especial. Tive de enxugar muitas lagrimas antes de lhe dar um abraço forte.
No buraco 19 no bar, brindamos pelo par do amigo. Os erros e dificuldades foram apagados na mesa pelas risadas e a intensa confraternização com outros golfistas. Era a dádiva de um belo dia de golfe.
O golfe me proporcionou grandes amigos. Um desses amigos golfistas bate muito curto, outro tem um putt fraco, outro sai mal das bancas e outro bate longe sem direção. Outro amigo golfista fuma charutos para dar sorte e outro beija a bola antes de cada putt.
Nesse jogo ganhei um novo e entranhável amigo golfista que não tira os óculos escuros nem quando cai à noite. Acho que é pelo reflexo da sua intensa e própria luz.
* Guillermo Piernes é escritor, palestrante e editor de Golfe Empresas. Autor de Liderança e Golfe - O Poder do Jogo na Vida Corporativa - www.guillermopiernes.com.br piernes@golfempresas.com.br